As pessoas usam a Bíblia para apoiar quase tudo, isto se dá devido a uma má teologia.
Alguns dos primeiros cristãos realmente “tinham tudo em comum”, como diz uma célebre passagem dos Atos dos Apóstolos. Mas isso era muito diferente do que conhecemos hoje como comunismo. Entenda por que não faz sentido nenhum tal associação.
As pessoas usam a Bíblia para apoiar quase tudo que você possa imaginar. Ativistas de todos os matizes descobrem nela suas próprias causas e crenças prediletas, e isso inclui até mesmo os comunistas. Não, isso não é um erro de digitação. Algumas pessoas realmente argumentam que a Bíblia ensina o comunismo. É claro, elas não acham que ela ensine todos os detalhes, mas afirmam que as ideias centrais estão lá. Para demonstrar isso, costumam apelar para alguns textos de Atos sobre a vida da Igreja nascente:
Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um (At 2, 44-45).
A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era comum […]. Nem havia entre eles nenhum necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, e traziam o preço do que tinham vendido e depositavam-no aos pés dos apóstolos. Repartia-se então a cada um deles conforme a sua necessidade (At 4, 32.34s).
O argumento pode parecer convincente à primeira vista. “Os primeiros cristãos viveram como comunistas, então nós também devemos viver”. No entanto, como de costume com esse tipo de questões controversas, as coisas não são tão claras quanto parecem. Na verdade, existem algumas diferenças fundamentais entre a vida da Igreja primitiva e qualquer coisa que possamos legitimamente chamar de comunismo. Então, não, os fiéis não precisam abraçar a ideologia política de Karl Marx.
Comunidade voluntária. — Para começar, essa vida em comunidade era algo que os primeiros cristãos faziam voluntariamente. Um princípio essencial do comunismo é que o governo deve abolir à força a propriedade privada, mas a Igreja nascente não impôs isso aos seus membros. Na verdade, um texto importante diz exatamente o oposto.
Logo após a segunda passagem que citei acima, lemos sobre um casal chamado Ananias e Safira. Eles venderam suas terras e deram o dinheiro aos Apóstolos para redistribuir conforme necessário, mas secretamente mantiveram parte dele para si próprios. Como resultado, Deus matou os dois na mesma hora (cf. At 5, 1-11). À primeira vista, isso parece significar que a Igreja de fato impôs o comunismo a seus membros, mas um olhar mais atento revela que não é realmente o caso. Quando Ananias deu o dinheiro aos Apóstolos, São Pedro disse:
Pedro, porém, disse: “Ananias, por que tomou conta Satanás do teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e enganasses acerca do valor do campo? Acaso não o podias conservar sem vendê-lo? E, depois de vendido, não podias livremente dispor dessa quantia? Por que imaginaste isso em teu coração? Não foi aos homens que mentiste, mas a Deus” (At 5, 3-4).
O pecado de Ananias e Safira não foi ficar com parte do dinheiro para si. Não, como Pedro disse, a terra era deles antes de vendê-la, e mesmo depois de vendê-la, a quantia ainda estava à disposição deles. Seu pecado foi simplesmente mentir sobre isso. Vemos, portanto, que essa prática de vida em comunidade era voluntária; não se exigia das pessoas que fizessem isso — o que, logo de cara, torna a Igreja nascente muito diferente do comunismo.
Esmola. — Mas essa não é a única diferença. Em outro lugar, o Novo Testamento também nos diz mui claramente que boa parte dos primeiros cristãos de fato mantinha pelo menos parte de suas propriedades e dinheiro. Por exemplo, São Paulo fez uma coleta na Igreja em Corinto para ajudar os cristãos necessitados em Jerusalém (cf. 1Cor 16, 1-3), mas você não pode coletar dinheiro de pessoas que não o têm. Se os primeiros cristãos colocassem todo o seu dinheiro e posses em um fundo comunitário, Paulo poderia apenas tirar desse fundo, em vez de pedir às pessoas, individualmente, que doassem dinheiro.
Da mesma forma, Atos nos fala de uma mulher devota chamada Tabita, que “era rica em boas obras e esmolas que dava” (At 9, 36). Em grego, a palavra traduzida como “atos de caridade” refere-se literalmente a dar esmolas; o que o versículo quer dizer, então, é que ela realizava muitas boas obras e dava esmolas generosamente. Novamente, você não pode dar esmolas se não tiver nenhum dinheiro; assim como a coleta de Paulo para a Igreja em Jerusalém, Tabita também mostra que nem todos na Igreja nascente colocavam todos os seus bens e dinheiro em um fundo comunitário.
O Novo Testamento não apoia o comunismo. — Destes dois pontos, fica claro que a Bíblia não apoia o comunismo. Sim, alguns dos primeiros cristãos tinham suas coisas em comum, mas isso era muito diferente do que conhecemos hoje como comunismo. Por um lado, eles faziam isso voluntariamente e não acreditavam que as pessoas deviam ser forçadas a viver como eles viviam. Em segundo lugar, nem todo cristão na época do Novo Testamento vivia assim, e não há registro de que os que não o faziam fossem considerados menos cristãos ou menos devotos do que aqueles que viviam assim. Essas comunidades que viviam em comum simplesmente tinham essa maneira de cumprir a ordem de Jesus, de usar nossos bens para ajudar os pobres, mas o Novo Testamento deixa claro que existem outras formas igualmente legítimas de cumprir esse ensino.